Cerimónia Fúnebre em Setúbal

A vida muitas vezes surpreende-nos com os seus caminhos sinuosos e, coloca-nos diante de momentos intensos e desafiadores.

Esta é a história de um fim de semana que começou com a expectativa de celebrar um casamento e acabou tornando-se numa jornada de despedida e reflexão.

Há quinze dias,  a S. entrou em contacto comigo, pedindo que eu realizasse o casamento da sua mãe, a P. com o seu companheiro de 15 anos.

Tinham urgência na cerimónia pois a mãe estava em fase terminal. Aceitei o desafio prontamente e marquei uma conversa com os noivos para a semana seguinte.

A P. apesar de enfrentar a batalha contra a leucemia, estava animada e bem disposta quando falei com ela a primeira vez.

Infelizmente, a sua saúde começou a deteriorar-se de dia para dia e a filha disse-me que a cerimónia precisaria de ser feita o quanto antes, pois o tempo era curto. Organizámos tudo rapidamente optando por uma celebração mais simples e simbólica com o que tínhamos.

No entanto, o destino tinha seus próprios planos ... E na noite antes do casamento, tudo mudou ....  Acordei com a mensagem: casamento cancelado e 3 chamadas não atendidas. A notícia devastadora chegou: P. tinha falecido naquela noite.

Eu e a S. Já tínhamos falado algumas vezes e nesse reforçou que a mãe queria muito que eu também realizasse a cerimónia fúnebre (funeral).

Eu como já tinha pensado nessa possibilidade concordei de imediato. A cerimónia seria realizada em Setúbal na segunda-feira à tarde.

Nesse domingo, passei o dia a cuidar de mim, na tentativa de lidar com a frustração e a tristeza, encontrei conforto no mar e na música de um concerto. Optei por me hospedar num hotel em Setúbal, com a intenção de me isolar um pouco, pois precisava estar sozinha para poder descansar e preparar para o que  viria a seguir. Não conhecia ninguém e só tinha falado com a filha sobre o casamento, praticamente nada sobre o funeral – por isso precisava de desenhar a cerimónia. Tive um anjo, tenho sempre, a minha querida Ana Catarina que é Doula de Morte, que quando lhe mandei uma mensagem a contar o que se passava me falou no que é a maior inspiração para mim – os quatro elementos.

No dia seguinte, a cerimónia foi realizada. Com poucas informações disponíveis, tentei captar a essência da P. e a sua relação com a vida e a família. Focámos no amor incondicional que ela nutria pelos seus filhos e netos, que eram as suas sementes na terra,  na gratidão que sentia pela oportunidade de se despedir e no conceito de "Tribo", que ela valorizava profundamente.

 A cerimónia culminou com todos de mãos dadas, formando um círculo de energia, sentindo o amor que os unia, com a urna da P. no centro. Foi um momento simples mas tão bonito, carregado de emoção e intenção, mostrando que o amor pode traz leveza à dor da partida.

 A sincronicidade mais bonita...

Nestas cerimónias há sempre sincronicidades bonitas e que me vão mostrando o caminho. Ao desenhar a cerimónia com a ajuda da Ana Catarina, ela estava-me a falar das sementes, que nestas alturas é importante olhar para as sementes que as pessoas que morrem deixam.

Durante a manhã, tinha a intenção de encontrar sementes de flores para presentear todos os que estavam presentes, representando os filhos e netos que a P. deixara neste planeta. No entanto, não consegui encontrar as sementes que queria. Mesmo pedindo ao senhor do Uber para andar comigo de um lado para o outro em Setúbal à procura delas não encontrei. Era mesmo porque não tinha mesmo de encontrar. A S. quis oferecer as lembranças do casamento no funeral e querem adivinhar o que era: saquinhos bonitos com sementes de girassol – a flor preferida da P. Aí não contive as lágrimas, é-me difícil não ceder perante a presença de tamanha beleza e perfeição da vida.

Acredito que P. desempenhou um papel significativo na minha vida. Ela inspirou-me a desmistificar e a falar abertamente sobre a morte, partilhando experiências e reflexões. Gostaria que todos os que me leem pudessem levar essa mensagem aos seus entes queridos e quebrar o tabu deste assunto na nossa sociedade.

Esse é o simbolismo do meu trabalho - trazer leveza e amor à dor da perda.

Agradeço muito aos meus guardiões que sempre estão ao meu lado quando preciso – aos meus amigos do coração que somem e seguem ao meu lado neste serviço ao mundo. À Ana Catarina por todo o espaço que me dá para que eu possa servir de uma forma mais humilde, integra e serena. Aos meus amigos Sandra Teixeira, Mário e Carla por me acolherem e me levarem onde me chamam.

 

Que esta história nos lembre da importância de celebrar a vida, vivendo-a com amor, luz e em comunidade. E que, mesmo diante da dor, o amor sempre prevaleça.

Crédito da Foto: Matthias Oberholzer 

Cátia Silva

I’m Cátia Silva, born and raised in Entroncamento, Portugal. I graduated in Education, and for about 10 years I taught in Portugal, Macao and Angola. I’m passionate about making a difference in people’s life. My work is to help people to do their life's transitions with compassion and love. Rituals are my tools, intuition and heart are my motors.

http://catiasofiarituais.com
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