Mulheres que contam histórias
Ritual de Cura - Aborto
Era uma mulher bonita, alegre e cheia de energia. Conheceu-me nos meios profissionais da vida e à medida que nos fomos aproximando fomos entrando cada vez mais na vida uma da outra. Certo dia, pediu-me para a guiar num ritual de perda. Há muitos anos, tinha vivido uma relação altamente abusiva e constrangedora. Sem querer, e com muita ingenuidade típica da idade, acabou por engravidar e ficou perdida sem saber muito bem o que fazer. Por um lado não queria tirar aquela vida, por outro sabia que se levasse a gravidez até ao fim iria ser um fardo muito grande para ela e para a sua família. Neste processo sentiu-se muitas vezes perdida e sem referências. A sua relação era destrutiva e não se conseguia sentir bem no seu corpo e na sua pele. Passados cinco meses, decide então fazer um aborto, o que a deixou ainda mais perturbada. Com os balanços da vida a sua relação acabou e continuou no mesmo padrão mas com homens diferentes. Seguiu em frente com as suas dores tornando-se cada vez mais forte e resiliente. Casou, teve filhos... Foi feliz! A dor continuava mas não sabia como a ultrapassar... muitas vezes se enganou a si própria achando que tudo se tinha diluído. Foi assim até ao dia em que os sonhos voltaram e os pensamentos destrutivos não a deixaram. Falou comigo nessa altura, dizendo que não aguentava mais e precisava de um ritual para ajudar a ultrapassar a dor. Marcámos um ritual num jardim da cidade onde vivia e quando nos encontrámos e nos abraçamos senti-lhe a urgência de tal encontro - estava triste e vulnerável. Depois da partilha da intenção veio toda a história e o deixar ir de toda a tristeza, culpa e vergonha do seu passado. Deixámos ir aquela memória que tanto lhe tinha ensinado a ver o mundo de outra forma e tinha contribuído para o seu crescimento, percebemos e aceitámos que aquele ser tinha vindo para mostrar a ferida e fazer o processo de consciência que fez até então. Ao criar o vazio, limpámos o seu útero e deixámos as lágrimas cair para que houvesse espaço para criar uma nova memória, uma voa mulher, uma outra consciência. Renasceu por último com o alivio de quem tirou um peso, de quem se perdoou a si própria através da compaixão e de quem estava disposto a viver uma nova vida, aquela vida em que se aceita e se sente em paz com os acontecimentos, aqueles que lhe ajudaram a ver o quão resiliente, forte e autêntica tinha sido ao longo da sua vida! Terminámos invocando o amor, aquele que se criou, aquele que viveu e que viverá sempre nela, em forma de espírito e em forma de luz.